terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Viagem de extremos

Já passamos da metade da viagem... Acho que está na hora de fazer um balanço...

Esta é uma viagem de extremos. Nosso corpo é testado o tempo inteiro: passamos do frio extremo ao calor insuportável; da secura dos desertos à umidade das selvas. Às vezes, passamos fome e sede, às vezes saboreamos os mais exquisitos pratos da culinária local. No ônibus, é freqüente não conseguir produzir nada - a má qualidade do asfalto (ou a inexistência de vias pavimentadas) torna impossível ler ou escrever. Nas capitais, temos uma agenda lotada e os vários compromissos exigem toda a nossa atenção, concentração e esforço.

Psciologicamente, também há grandes dificuldades. Algumas pessoas estão acostumadas a viajar, mas certamente ninguém está acostumado a viajar nestas condições. Nos momentos em que não temos conforto, sentimos uma falta imensa do que nos dá mais comodidade: tomar café da manhã com toda a família num dia de sábado azul de Salvador, passear de bicicleta, fazer uma visita aos avós no domingo, falar com o namorado horas a fio... Coisas tão simples e que fazem tanta falta!

Essa viagem tem me ajudado a perceber o que é mais valioso: as relações interpessoais. Isso porque, muitas vezes, nos nossos momentos mais difíceis, o que nos dá ânimo são estas novas amizades. Uma brincadeira de Ramón, um devaneio de Mariana, uma conversa hilária entre Fredson e Antonio, um encantamento de Sarah com um pequeno detalhe do caminho, um comentário meigo de Tássia, a mania de Carlos de filmar tudo, Danilo com sua diplomacia nas paradas e alfândegas, as queixas engraçadas de Henrique, Davi dormindo em qualquer lugar, o violão de Matheus, as tiradas de Cabeça, a seriedade de André, as desconstruções feministas de Iris, o comprometimento de Felippe e Fabrizzio... Cada pessoa contribui com uma peça para este grande quebra-cabeças da Caravana. Porque realmente parece um quebra-cabeças conseguir manter o bom humor, a empolgação, a paz e a alegria em todos os momentos.

Mas não quero soar pessimista nem quero que quem leia meu post imagine que a equação final resultará negativa. Pelo contrário.

Hoje, um amigo meu postou o seguinte no Twitter: "Aquele que só quer seu destino já não tem modelos nem ideais, amores nem consolos" (Hermann Hesse). Talvez seja exagero dizer que eu tinha chegado neste estágio de niilismo, mas devo confessar que estava bem perto... De alguma maneira, havia sido tomada por um pensamento demasiado cético, demasiado blasé, demasiado duro e frio. Meus sonhos estavam guardados e esquecidos numa caixa no sótão. Eu tinha esperanças em relação a muito poucas coisas...

A Caravana me fez pensar bastante sobre a coletividade. É muito difícil fazer parte, organizar e coordenar um grupo. Às vezes, é necessário que alguns abram mão de fazer todas as coisas para que todos possam fazer algumas coisas. Isso vale não apenas para os passeios que fazemos no nosso tempo livre, ou para a água e comida estocadas no ônibus, mas consigo perceber a mesma regra a um nível muito mais abstrato, como no que diz respeito ao comando de um país. Pode parecer que é melhor aproveitar individualmente tudo o que o mundo tem a oferecer, mas é justamente nas horas difíceis que percebemos como estar com outras pessoas - estar em coletividade - faz falta.

Não posso dizer que sou uma romântica da mesma maneira que era há oito anos. Mas certamente algo mudou. Olhar nos olhos das pessoas que olhei e caminhar ao lado das pessoas que caminhei me fez ver a realidade de outra forma. Não acredito que poderei ver um mundo sem desigualdades, sem injustiças, sem guerra. Acredito que posso contribuir para um mundo sem desigualdades, sem injustiças, sem guerra.

Hoje, eu sei que a América Latina já entende melhor que antes o caminho que deve seguir. Ou, pelo menos, a maioria dos países já o perceberam. Acho mais difícil que se repitam os erros do passado, apesar de ter consciência que a (pós-?)modernidade pode nos levar ao encontro de muitos desafios desconhecidos. Hoje eu vejo, aqui, uma força - ou melhor, forças - que continuam pulsantes, forças cujas existências até agora haviam sido omitidas, mas que existem - sempre existiram e em todo o continente. Talvez o que faltava era perceber que não estavam isoladas, que formavam um único conjunto heterogêneo, porém indissociável. Não sei explicar como nem porquê, mas sinto que algo gerou esta união há tempos sonhada - ainda que hoje ocorra timidamente - e a fez aflorar. Tenho a impressão de que essa força cataliza mudanças muito mais profundas que a nossa compreensão pode perceber... e acredito profundamente no seu poder transformador.

Não sei se consegui descrever bem como tem sido esta viagem para mim... Se pudesse colocar aqui uma cena do espetáculo de minha mãe, José Ulisses da Silva, acredito que ficaria claro tudo o que quero falar - minha mãe transforma em imagens as revoluções que acontecem nos corações das pessoas. Como não tenho aqui o vídeo da coreografia de Ulisses, deixo uma montagem feita com uma música da sua trilha sonora, A Saída, composta por Jarbas Bittencourt, e fotos (em ordem cronológica) que tirei durante a viagem.

*As últimas fotos são da nossa fotógrafa e videomaker Mariana Hirsch -cuja sensibilidade para a imagem me emociona profundamente.



6 comentários:

cris disse...

LINDOOOOOOOOOOOOOOOOOO!

Unknown disse...

Camila,
primeira vez que entrei em seu blog e me encantei completamente. Sua sabedoria na escrita é tão envolvente quanto a sabedoria que passa pessoalmente. Todos nós do quarto 23 (ramon, carlos e eu) adoramos ler nossos nomes ligados a sua percepção doce e sincera. Temos muito a aprender com você e sei que voará longe em um futuro próximo. Espero que essa viagem seja tão marcante e produtiva como parece.
bjos

Carlos Vin disse...

Camila,
Não poderia ser melhor a descrição que você fez, dessa "montanha russa" que nós estamos vivendo... Como André falou, adoramos ver o nosso nome intrínseco no seu texto... Gostei! Belo texto!

Um beijo! E vamos seguir viagem com todas as dificuldades, prazeres e aprendizgens

Natalia S.ST disse...

Muito bom o seu texto, eu já passou por situações semelhantes e vc sabe, eu realmente gostei de uma frase que escreveu: "Não acredito que poderei ver um mundo sem desigualdades..." Se houver a possibilidade de que mais pessoas tivessem a oportunidade de conhecer diferentes realidades sociais e culturais. É posivel que muitos llegarian a essa conclusão. e, acreditem, é algo que eu disse muitas vezes para a minha equipe de voluntários. Acabar com a pobreza talvez seja impossível, mas ajudar a ultrapassar esta em suas mãos"

Sarah disse...

Doce Menina Boomerang,

Adorei ver meu nome impresso em seu texto e me ver lida por você, decifrada como alguém que se encanta com o que avista. Que de encantamentos a vida se componha.

Um beijo admirado,
Sarah

Gilvan Reis disse...

tá virando um sábia!!